A família, fundada no matrimônio, comunidade de vida e de amor, de “toda a vida” (CDC, cân. 1055), tem como “elemento indispensável”, isto é, que “constitui o matrimônio” em uma troca de consentimentos (CIC 1626).
O consentimento consiste num “ato humano com o qual os esposos dão-se e recebem-se mutuamente” (GS 48; CIC 1627). Esta doação recíproca faz-se através da palavra como solene promessa, que vai acompanhada por gestos que evidenciam esta vontade de mútua entrega. O dom que se oferece – a própria pessoa – assume a categoria do dom, quando acolhido: “Eu te recebo como minha esposa”; “Eu te recebo como meu esposo”. Este consentimento, que une os esposos entre si, encontra sua plenitude no fato de que os dois “vão formar uma só carne” (CIC 1627).
O consentimento, como expressão deste dom, que constitui o matrimônio, “a aliança matrimonial”, e que “constitui uma comunidade para toda vida” (CIC 1601) é um dom de Deus. Nele encontram a fonte e seu autor. Quando os esposos entregam-se um ao outro, atingem a condição de ser um presente de Cristo, que doa o homem à mulher e a mulher ao homem. É “uma íntima comunidade de vida e amor conjugal, fundada pelo Criador. Portanto, é o próprio Deus o autor do matrimônio” (GS 48). No matrimônio “o Salvador dos homens e Esposo da Igreja vai ao encontro dos esposos cristãos” (GS 48).
É este o projeto da criação pensado por Deus no início, que Jesus Cristo santifica solenemente e eleva à dignidade de sacramento. É Deus que une os noivos no matrimônio, nessa comunidade “estruturada com leis próprias”, como instituído ou “estabelecido pela ordenação divina”, que não depende do arbítrio humano (CIC 1603). São bem conhecidas as passagens da teologia bíblica que mostram, dentro de uma precisa antropologia, como está fundado no coração humano o chamado ao compartilhamento, à complementação e à acolhida, na realidade do primeiro casal. Nesta união, cujo autor é Deus, Deus mesmo compromete-se e projeta-se no horizonte da Aliança de Deus com a humanidade, de Cristo com a Igreja. Com particular ênfase escreveu Max Thurian: “O matrimônio não é um simples contrato que se relaciona com uma fidelidade recíproca. Deus em pessoa realiza este mistério de união e lhe dá uma segurança contra os perigos da dissolução. É a característica primordial do matrimônio cristão. O matrimônio é a união em Deus e de Deus”.
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O matrimônio cristão tem uma relação direta com a Aliança de Cristo. Neste sentido, o consentimento não é um ato entre dois, mas a três, como um “sim” dito pelo casal dentro de um “sim” a Cristo e à Igreja. O consentimento dos esposos não pode ser separado da adesão a Cristo. O que Deus uniu transformando em “uma só carne” o homem não pode submeter aos seus caprichos nem reivindicar nenhum arbítrio.
O matrimônio não é um consenso, fruto de mutáveis acordos humanos, mas uma instituição que funda suas raízes no terreno sagrado: a mesma vontade do Criador. Não é um belo presente dos parlamentos, como resultado de estratégias políticas dos legisladores. O domínio completo pertence a Deus e é Ele quem vem nesta direção e oferece o dom. “Não separe o homem o que Deus uniu” (Mt 19, 6) somente é compreensível se se partir do pressuposto que Deus é quem une todos os casais de esposos.
O dom expresso no consentimento “pessoal e irrevogável”, que estabelece a Aliança do matrimônio, põe o selo de qualidade na doação definitiva e total (CIC 2364). A doação para formar “uma só carne” é uma oferta pessoal, que se articula em palavras-promessas e se funda no Senhor; assim, os noivos não se oferecem coisas, mas a si mesmos. Porque é uma doação pessoal, não entra em jogo, no seu projeto original, a dialética do possuir, do domínio. Por isso não é destruição da pessoa, mas a realização da pessoa na dialética do amor, que não vê no outro uma coisa, um instrumento que se possui, se usa, mas o mistério de uma pessoa em cujo rosto se delineiam os traços da imagem de Deus.
Só uma adequada concepção da “verdade do homem”, da antropologia que defende a dignidade do homem e da mulher, permite superar plenamente a tentação de tratar o outro como coisa e de interpretar o amor como uma empresa de sedução. Não é um amor que degrada, elimina, mas que exalta e realiza. Só assim decifra-se e é interpretada esta categoria do dom, que liberta do egoísmo, de um amor vazio de conteúdo, que é insuficiente e instrumentaliza, e que liga a união apenas a um divertimento sem responsabilidade e sem continuidade, como exercício de uma liberdade que se degrada, alheios à verdade.
Impõe-se, com toda força, a categórica declaração conciliar: “O homem, que é na terra, a única criatura que Deus quis por si mesma, não pode encontrar-se plenamente senão através do dom sincero de si mesmo” (GS 24). Tem, portanto, a dignidade final, não de instrumento ou de coisa, e na sua qualidade de pessoa é capaz de dar-se, doar-se, e não apenas de dar.