A experiência da fé religiosa acompanha o ser humano desde o princípio da sua existência. A Antropologia ainda não identificou um grupo humano que não tenha vivido algum tipo de experiência com um Transcendente, mesmo que este Transcendente mostre-se suficientemente imanente. De maneira quase absoluta as religiões se propõem a contribuir para a humanização da pessoa. Humanização que permita ao crente alcançar um nível de existência no qual ele se torna muito melhor do que, a princípio, pensa ser.
Um elemento fundamental presente em quase todas as religiões é o princípio ético; esteja este claramente expresso num livro ou código que as normatize ou implícito, sendo transmitido de uma geração para a outra através da vivência de determinado grupo.
No judeu-cristianismo a base do princípio ético a ser respeitado está claramente expressa nas Dez Palavras pronunciadas por Deus na teofania do Sinai; posteriormente decodificada nos vários códigos legais do Pentateuco e chegada à sua explicitação máxima na vida de Jesus de Nazaré.
Vivemos num país onde a maior parte da população afirma-se cristã. Haveríamos de supor com isso que as bases dessa fé professada constituíssem também as bases do agir cotidiano. Que o modus vivendi do cristão brasileiro se pautasse pela honestidade, retidão do caráter, empatia e capacidade de pensar menos no individual e mais no bem da coletividade.
Se há muito percebíamos a discrepância entre a fé confessada e os valores dessa fé sendo negligenciados, a pandemia do novo coronavírus evidenciou escancaradamente esta contradição. O que temos acompanhado pelos noticiários é a triste realidade de pessoas que, mesmo num contexto de ameaça a todos pelo vírus mortal, aproveitam a situação para superfaturar os preços de produtos essenciais à sobrevivência, desviam verbas destinadas a salvar pessoas, roubam cilindros de oxigênio daqueles que morrem asfixiados, montam esquemas clandestinos de vacinação para que os poucos que podem pagar sejam privilegiadamente imunizados, em detrimento da maioria; representantes das várias esferas dos governos — municipal, estadual e federal – furando a fila de prioridades do calendário vacinal, etc.. Do cidadão comum aos representantes legais, muita gente imersa no fosso da desonestidade e do apego ao poder e ao dinheiro.
E depois dessa longa lista, diante da recomendação/proibição de que os cultos nos templos sejam suspensos até segunda ordem, vemos a divisão de opiniões, que arrisca atingir o nível do conflito, entre os que são pró e contra a presença de fiéis nas celebrações litúrgicas.
Creio que a pergunta fundamental não seja onde devemos celebrar, mas quanto do que celebramos está de fato orientando nossa vida. Quanto do que celebramos normatiza nossa existência para que conduzamos nossa vida nos moldes da exigência do Evangelho de Jesus Cristo, em se tratando dos cristãos.
Até que ponto o mistério celebrado torna-se mistério experimentado, mistério encarnado no dia a dia?
Sem ética, sem uma vida configurada à vida de Jesus Cristo, a profissão de fé de um cristão torna-se o perigo de sua condenação.
Pensemos nisso!