“Ao mesmo tempo em que floresce a indústria dos perfumes, desaprendemos a distinguir o aroma das flores”, nos afirma Tolentino Mendonça. O mundo tem oferecido uma infinidade de sensações que aguçam os nossos sentidos com violência. Sentimos tanto de tudo que, daqui a pouco, não saberemos mais sentir. Vivemos no mundo do excesso da informação e é urgente fazer um caminho de retorno ao essencial.
As experiências de comunicação atuais ampliaram as possibilidades de contato e romperam inúmeras barreiras como a distância, por exemplo. Por outro lado, elas também nos deseducaram do contentamento mínimo, da espera frutuosa, da resposta pausada e concisa. A avalanche da comunicação nos gerou a falsa ilusão de que temos de absorver tudo o que nos chega. O advento das redes sociais com a internet nos proporcionou a possibilidade do muito dizer, da troca infinita, do excesso de informação. Por outro lado, parece nos ter roubado o sabor do contato pessoal e presencial. Através das redes, estamos ouvindo tanto, que estamos perdendo a capacidade de escutar.
Ouvimos a todo instante os ruídos do mundo, fazemos quase que instintivamente a recolha sonora do mundo externo com nosso ouvido mais superficial, mas quando avançamos no mais profundo de nós para nos perguntarmos o que de fato escutamos com o coração, percebemos que o frenesi de sons que nos chega não nos atinge no íntimo de nosso ser. Estamos ouvindo de tudo e escutando quase nada! Há que voltarmos à nossa audição para escutar o essencial.
Podemos, a partir disso, nos perguntar: o que ouvir? Num mundo de tantos ruídos, o que deve ser o objeto de nossa atenção auditiva? O Cardeal Tolentino responde, evocando Clarice Lispector: “Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra coisa de que na verdade falo, porque eu mesma não posso”. Num mundo em que aceleramos as mensagens de áudio que recebemos para darmos conta de ouvir tudo o que nos chega, na falsa ilusão de otimização do tempo, escutar o outro – mesmo no seu silêncio – parece-nos a nobre e necessária tarefa de quem deseja retornar à escuta.
O mundo não calará o seu excesso para ouvirmos o essencial, é verdade. Mas podemos nos exercitar para driblar os seus barulhos e nos concentrarmos naquilo que o outro nos diz e até naquilo que ele se silencia. Somente os ouvidos do coração, nossa escuta espiritual, é capaz de ouvir o silêncio do mundo. É a partir daí que o místico da escuta será capaz de dissociar dos barulhos do agora a beleza da melodia do presente.